Mergulhado na vitrine do museu o olho da máquina enquadrava as pequenas figurinhas.
Miniaturas de cérebros tabulados, tudo dividido e catalogado.
Enquanto isso, o olho médico dialogava com os primórdios da neurociência.
De onde vem o que nos faz sentir Humanos? Aonde encontrar e evitar o quanto de desumano somos capazes?
Nas cabecinhas desenhadas via-se a fácil sedução de encontrar pontos onde pôr o dedo, onde estancar o sofrimento, onde compreender a espécie.
Entretanto, no olho da mente, um teclado de pontos parecia desenrolar-se. Mas escolhia apenas aquelas teclas onde a Humanidade oferecia o seu melhor: a amizade, a partilha, o humor, a solidariedade, o amor, a empatia, a compaixão, a criatividade, a narrativa…
O teclado ia crescendo claro na minha imaginação.
Enquanto isso, o olho da máquina disparava.
Clique, clique, clique.
Mas até um teclado tem peças dissonantes, e as teclas pretas invadiam a pureza da fantasia.
Aquelas áreas, aquelas possibilidades, boas e más, como encontram a Harmonia no teclado da vida?
Percorridas pela energia que nos mantém vivos, feitos de moléculas químicas ancoradas em estrutura física e animados pela destreza da biologia, resta-nos sentir e dirigir este instrumento que por vezes nos parece infernal.
A máquina continuava a disparar, movida por automatismos aprendidos e repetidos, a enumeração geográfica das supostas funções cerebrais.
E a mente? Estaria ali representada?
Nos primórdios da neurociência julgávamos a mente separada do corpo.
Felizmente hoje sabemo-la incorporada e relacional. E também sabemos que uma mente saudável é capaz de integrar as profundas dissonâncias do Ser Humano.
No teclado ouvia agora a sinfonia da Humanidade. Em momentos de caos e rigidez, mentes treinadas de tenra idade em gentileza, flexibilidade e intencionalidade, eram capazes de trazer de volta, sem danos irreversíveis, os momentos de harmonia.
Clique, clique, clique.
Ao desligar a máquina parei para respirar fundo e apenas olhar e observar as pequenas figurinhas.
Minnie Freudenthal
Novembro, 2018
Galeria de Imagens
Fotografias de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário, tiradas na Whitechapel Gallery em Londres na exposição “Surreal Science: Loudon Collection with Salvatore Arancio”.
Ana Zanatti | 2018-10-28
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Belo texto, Minnie, e fotografias muito interessantes, apelativas por nos falarem de mistérios que também me deixam a pensar. A ciência vai desvendando muitos deles, clique, clique, clique, mas a complexidade dos Humanos é tanta…Olhamos à volta, vemo-nos ao espelho, escutamos as notícias de guerras, perseguição, violência, ataques à dignidade e à liberdade e a questão persiste: Aonde encontrar e evitar o quanto de desumano somos capazes?
Obrigada pelo pensamento partilhado. Também nos deixa, cá dentro, a fazer clique, clique…